Quinta-feira, 7 de Fevereiro de 2008
Grátis? Uma "ova"...

Antecipando-me já aos comentadores que, certamente, aqui virão zurzir na minha pessoa, acusando-me de estar contra o investimento na Cultura, contra as Artes e o que mais lhes aprouver, começo por dizer o seguinte:

- Aprecio a Arte nas suas mais diversas formas;

- Quando tive a oportunidade, apoiei e incentivei as mais diversas manifestações artísticas;

- Tenho grandes e bons Amigos nas mais diversas áreas das Artes

- Nada tenho contra o Comendador Joe Berardo, alías, meu conterrâneo e proprietário da mais bela Quinta da Freguesia onde nasci - o Monte - e na qual brinquei na minha infância.

Pronto... está feita a introdução ao tema!

O que me leva, então, a trazer a este blog a Colecção Joe Berardo (ou Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo), parte da qual exposta no Centro Cultural de Belém... com entrada grátis até ao final deste ano?

Apenas isto: Gratuita? Acho que não!

 

(foto retirada de: AEIOU)

 

Vamos recordar a "história" desta história.

A 3 de Junho de 2006, o "Correio da Manhã" noticiava:

Aprovado novo museu no CCB

"A criação da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo foi quinta-feira aprovada em Conselho de Ministros, assim como os respectivos estatutos. (…) O novo museu, que deverá abrir ainda este ano, vai acolher uma colecção com mais de quatro mil obras de arte moderna e contemporânea, representativos de 74 movimentos artísticos."

Só que, tanto quanto é público, o "Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo", existe em Sintra desde 1992... Enfim!

(Foto retirada de: "Docas nas asas do Tejo")

 

A 10 de Agosto de 2006, anunciava o "Correio da Manhã":

Dez milhões para Berardo
"De acordo com os estatutos da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo, ontem publicados em Diário da República, este fundo de aquisições será dotado, anualmente, de um milhão de euros, dividido em partes iguais pelo Estado português e pelo comendador Joe Berardo. Com início em 2007, este fundo termina em 2015."
Este acordo era tão "estranho", que até o próprio PS o punha em dúvida, como refere o "Correio da Manhã" de 13 de Abril desse mesmo ano:
PS admite acordo questionável
"O PS admitiu ontem que se pode “questionar, aprofundar os termos do acordo” entre o Ministério da Cultura e o empresário Joe Berardo, depois de o BE o ter considerado “um desastre para a Cultura do País."
Apesar das dúvidas suscitadas também ao próprio Presidente da República, que ensaiou o primeiro veto, dos avanços e recuos da ex-Ministra da Cultura, da ameaça de Berardo a levar para França, a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo, foi inaugurada com pompa e circunstância no dia 25 de Junho de 2007, conforme noticia o "Correio da Manhã":

Festa de 400 mil euros

"Para a abertura oficial do novo espaço, que se assinala para um núcleo de privilegiados a partir das 18h00, o Centro Cultural de Belém (CCB) investiu 400 mil euros – “parte do orçamento é para comunicação do evento, numa campanha de televisão, imprensa, rádio e outdoor”, lembra Jean-François Chougnet, director artístico do Museu – para fazer uma festa em grande."
E, claro, não faltaram as presenças ministeriais... ("Correio da Manhã" de 26/07/07)

Ministros com Berardo

"Joe Berardo recebeu o primeiro-ministro com um sonoro “conseguimos”. José Sócrates foi o último dos governantes a chegar ao Centro Cultural de Belém para a cerimónia oficial de inauguração do museu. Já lá estavam seis ministros (…) Além da ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, lá estavam os titulares das pastas da Defesa (Severiano Teixeira), Finanças (Teixeira dos Santos), Economia (Manuel Pinho), Ambiente (Nunes Correia) e das Obras Públicas (Mário Lino)."
(Foto retirada de : "O Pulguedo")
Não sei porquê, lembrei-me de outra célebre frase: "Porreiro, Pá!!!"
Felizmente - e ainda bem para a tão mal tratada Cultura - a exposição foi e é um sucesso, conforme relata o "Correio da Manhã", um mês depois da inauguração:

Mais de 85 mil visitantes

"Mais de 85 500 pessoas passaram pelo Museu Colecção Berardo, em Lisboa, no primeiro mês de funcionamento, que ontem se assinalou. O núcleo dedicado ao Surrealismo tem sido o mais visitado."
Antes da inauguração, percebeu-se já que, afinal, não seriam as quatro mil obras a estar expostas mas sim 862, devidamente avaliadas pela "Christie’s" e que poderão vir a colocar o Estado (ou seja, Portugal e quem for Primeiro-Ministro nessa altura) "entre a espada e a parede"...
Ah, não!? Ora vejam:
o "Correio da Manhã" de 19 de Janeiro de há um ano.

Berardo quer mais tempo

"Joe Berardo pediu ao Ministério da Cultura para prorrogar o prazo de resposta à avaliação feita pela leiloeira Christie’s das 862 obras de arte da colecção do Museu Berardo, estimada em 316 milhões de euros. Até 2016, o Estado tem o direito de opção de compra da colecção pelo valor fixado pela Christie’s, mas, caso o comendador não aceite aquele valor, esse direito extingue-se."
Esta "camisa de onze varas", cifra-se no valor de 316 milhões de euros, que poderemos TODOS ter de vir a pagar...
Também ninguém explicou - até hoje - ou, se calhar, ninguém tem de explicar, quanto recebe e quem paga o Director do Museu!

Director francês para Museu Berardo, revelava o "Correio da Manhã", a 8 de Novembro de 2006:

"O francês Jean-François Chougnet foi escolhido para director artístico do Museu Berardo, deixando a direcção do parque cultural Parc de la Villette, em Paris, cargo que ocupava desde 2001." Coisa pouca, não deve ser...

 

Avancemos agora para a parte do "quanto custa?"... ou "é grátis"!

Já vimos que a "festinha" inaugural custou 400 mil euros e que a colecção pode vir a custar-nos a todos 316 milhões de euros!

Mas há mais:

Segundo o "Correio da Manhã" de 5/11/2007,

Berardo ganha um milhão do Estado

"Ultrapassadas as desavenças entre Joe Berardo e o Estado Português, a fundação que leva o nome do comendador recebeu este ano do Fundo de Fomento Cultural 1 251 572, 19 euros, sendo apenas ultrapassada pela Fundação Serralves, contemplada com 2 377 262 euros."

Valor de "pouca monta", tendo em conta o interesse da iniciativa.

Mas é o mesmo "Correio da Manhã" que, a 25/6/2007, anunciara: "O Ministério da Cultura contribuiu este ano com três milhões de euros para a Fundação da Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, para a gestão do Museu".

Parece também, que o Fundo de Turismo ainda participou - algures no processo - com mais um milhão de euros...

Não contente com este "bodo aos pobres", a ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, antes de "se demitir", ainda teve tempo de assinar, a 6 de Janeiro de 2008, o Despacho que reproduzo abaixo:

 

 

Ora, sendo assim, já vamos em quanto? "É só fazer contas", diria Guterres...

Lendo tudo isto, decidi pesquisar mais e encontrei outras duas "opiniões" que, estou em crer, coincidem com a minha e resultam das dúvidas suscitadas:

A primeira, remonta a 5 de Abril de 2006 e está publicada no "Correio da Manhã".

Sala de Estar

"Ora aí está. Após dez anos de avanços e amuos, que o eng. Sócrates acha “incompreensíveis”, o Governo e o sr. Joe Berardo chegaram ao fatal acordo. Pormenores? Embora os responsáveis tenham sido tímidos a respeito, sabe-se o essencial: o sr. Berardo não doa a sua colecção ao Estado; o Estado doa à colecção do sr. Berardo o Centro Cultural de Belém. A ministra da Cultura julgou o acordo “equilibrado”.

Na prática, este equilíbrio significa que, pelo menos durante os próximos dez anos, seremos nós a pagar as despesas de manutenção das 862 peças. Porquê? Aparentemente, porque sim e porque o eng. Sócrates contemplou um bocadinho da colecção e ficou muito bem impressionado."

Crónica de Alberto Gonçalves

A outra, é bem mais recente, foi publicada a 11 de Dezembro passado pelo "Correio da Manhã" e demonstra que o Presidente da República sempre teve razão neste processo...

Cavaco promulga a contragosto

"O Presidente da República foi ontem obrigado a promulgar o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, depois de a Assembleia da República ter devolvido o diploma sem levar em conta todas as questões colocadas por si."

Parece que não tem nada a ver, não parece? Mas temmmmmmmmmmmm...

A terminar - e porque o Comendador Joe Berardo se sentiu "ofendido" com a possibilidade de doar a sua colecção de Arte a Portugal -, relembro o verdadeiro Mecenas que não teve qualquer dúvida em fazê-lo:

"Calouste Sarkis Gulbenkian (Üsküdar, 23 de Março de 1869 - Lisboa, 20 de Julho de 1955) foi um engenheiro e empresário arménio naturalizado britânico, activo no sector do petróleo e um dos pioneiros no desenvolvimento do sector petrolífero no Médio Oriente. Foi também um importante mecenas, com um grande contributo para o fomento da cultura em Portugal. A sua herança esteve na origem da constituição da Fundação Calouste Gulbenkian."

in Wikipédia



Publicado por rui.freitas às 02:43
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5 comentários:
De Isabel Magalhães a 7 de Fevereiro de 2008 às 04:30
Amigo Rui;

Felicito-o por este excelentíssimo trabalho cuja conclusão, estou certa, irá supreender muitos que não se detém habitualmente neste tipo de assunto/leitura e que irão aqui abrir os olhinhos de espanto.

Como deve calcular acompanhei na imprensa, - e não só - todo este processo da colecção de arte do sr JB, do fica cá, do vai para fora, do oh meu Deus que se perde um tal espólio, e depois do acordo celebrado com pompa e circunstância e que só me fazia lembrar um dos ditados que a minha avó amiude citava 'quem parte e reparte e não fica com a melhor parte...'

Quanto à tal 'camisa de onze varas' olhe pode ser que um qq santo padroeiro nos acuda ou que me saia um SUPER Euromilhões e, então, eu compro a colecção e ofereço-a a PORTUGAL.

Uma beijoca.

I.


De rui.freitas a 8 de Fevereiro de 2008 às 01:29
Assim é, Amiga Isabel,
Muitos, andam desatentos ou apenas olham para a beleza do fogo de artifício que rebenta no ar, sem cuidarem de saber onde irão cair as canas (hoje, já não usadas, é certo...).
Como Artista e pessoa atenta, imagino que terá acompanhado todo o "processo" desta colecção.
Partilho o saber da Senhora sua Avó... "quem parte e reparte...", mas acho que essa máxima não devia aplicar-se, embora seja cada vez mais usada.
Prefiro o pensamento/poema de Vinicius de Moraes:
"Pra quê somar, se a gente pode dividir?"
Mas... "o burro sou eu!"


De Consciencia Critica a 11 de Fevereiro de 2008 às 01:14
Olá amigo Rui,
Fantástico trabalho de pesquisa. Parabéns. Já agora para acrescentar, sempre podia também referir que este imbecil, pediu-nos a todos dinheiro emprestado (leia-se CGD), para adquirir uma importante fatia das acções que detém no BCP .
Valha-nos que vetaram tão ilustre mecenas para a comissão de vencimentos do BCP ... senão...


De rui.freitas a 12 de Fevereiro de 2008 às 03:18
Pois era, Amigo C. C.,
Por essas e por outras, é que as instituições bancárias andam tão "pobrezinhas", tadinhas... Só que a CGD, sendo "O Banco do Estado", é de todos nós. Mas ao sr. Constâncio deve ter-lhe "passado ao lado", mais uma vez!
Obrigado pela referência inicial. De facto, a pesquisa é a fase mais demorada dos "posts"... mas necessária!
Um abraço.


De rui.freitas a 12 de Fevereiro de 2008 às 03:20
A propósito:
A CGD ainda é do Estado, não?


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