Percebemos, agora, porque os Notários "levaram"... Meteram-se com o...
Só que, em democracia (coisa que "o" cada vez menos aprecia), existe o direito de resposta. E, assim, a reacção não se fez esperar...
"OPINIÃO: TRANSPARÊNCIA OU OBSCURIDADE
Não raras vezes temos a sensação de que vivemos tempos estranhos, onde tudo parece estar ao contrário. Não raras vezes temos a sensação de que os que mais se deviam empenhar na credibilização das instituições e dos titulares de cargos políticos são os que mais contribuem para o seu crescente descrédito.
Recentemente, assistimos a um intenso combate político entre a oposição e o Governo sobre o enriquecimento ilícito e a forma mais eficaz de o combater. Teorias e conversa fiada, dirá o povo, no seu melhor, pois quando se trata de investigar titulares de altos cargos políticos, nem as condutas praticadas no escrupuloso cumprimento da lei vigente são aceitas pelos visados.
Façamos, neste contexto, uma reflexão sobre a mais recente polémica entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Notários.
A escritura notarial, para além das vantagens que lhe são reconhecidas por uma parte significativa da humanidade, desde há vários séculos, tem a virtude de ser um documento a que qualquer cidadão pode aceder, em qualquer momento, desde que consiga saber em que notário está arquivada. É o que decorre, expressa e incontestavelmente, do Código do Notariado.
É, de resto, dever legal da Administração Pública prestar o serviço que falta para se atingir, em pleno, o objectivo da lei, que é, repete-se, o de facultar o livre acesso, por parte de qualquer cidadão, ao conteúdo das escrituras públicas. Deveria, para tanto, estar organizado, na Conservatória dos Registos Centrais, um ficheiro central de escrituras, com base na informação que os notários, pontual e religiosamente, têm enviado, ao longo dos anos, para esse Serviço do Estado, mas que se tem revelado pura perda de tempo, de papel e de outros recursos, já que, por incúria da Administração Pública, esse ficheiro nunca foi organizado (com excepção dos testamentos).
Se o Estado fosse cumpridor e desse o exemplo, como lhe compete, e esse ficheiro central de escrituras estivesse
organizado, qualquer cidadão poderia hoje ir junto da Conservatória dos Registos Centrais e obter informação da existência de qualquer escritura em que foi interveniente uma dada pessoa (singular ou colectiva) e, logo aí, saber que tipo de escritura foi outorgada e qual o Cartório Notarial em que está arquivada, do mesmo modo que o pode fazer relativamente a qualquer testamento em que o testador já tenha falecido, com a simples indicação do nome deste. De seguida, era só dirigir-se ao cartório e solicitar a emissão da respectiva certidão.
Ora, como o Estado, por negligência, não tem esse serviço disponível, a Ordem dos Notários, em nome do interesse público, substitui-se-lhe, mais uma vez, para ajudar qualquer cidadão a localizar as escrituras de que pretenda, legitimamente, extrair certidões, para os fins que entenda e que não tem que justificar, desde logo, porque a lei estabelece o livre acesso à informação constante das escrituras públicas, sem quaisquer condicionalismos ou restrições.
Trata-se de um serviço que a Ordem dos Notários tem prestado gratuita e regularmente, desde a sua criação, a qualquer cidadão que o requeira.
Pasma-se agora quando nos damos conta de que o que, consensualmente, tem constituído um bom serviço aos cidadãos indigna o Governo. O secretário de Estado da Justiça qualifica de muito grave a actuação da Ordem dos Notários, tão só porque o nome do outorgante de cujas escrituras se pretendem obter certidões é o de José Sócrates (e não o de José Silva) e o requerente foi um jornalista.
Ou seja, quando o que seria expectável era que, em abono da velha máxima de que quem não teme não deve, por maioria de razão, o Governo fosse o principal interessado no esclarecimento de uma situação em que existem suspeições sobre o Primeiro Ministro, o Ministério da Justiça, afinal, lança um ataque feroz contra a Ordem dos Notários, defendendo que esta devia colocar entraves à investigação, assumindo perante o requerente uma conduta contrária à que adopta para com todos os cidadãos e contrariasse, aí sim, a ratio legis e impedisse o cumprimento da Lei.
São já recorrentes as investidas do Governo contra os notários e contra a Ordem que os representa. Mas é bem provável que algumas delas, como aquela a que ora se assiste, tenham o condão de fazer reflectir os cidadãos sobre o que verdadeiramente move alguns governantes nesta missão, que chamaram a si, de extermínio dos notários, que são, por definição da lei, em Portugal e em todo o mundo, o símbolo da legalidade, do rigor e da transparência.
Confesso que entendo cada vez menos o País em que vivo e cada vez mais os que, desencantados, vêem segundas intenções em tudo e, com legitimidade acrescida, se interrogam sobre se, afinal, esta cruzada do Governo contra os notários é apenas porque não gosta dos notários e entende que a sua função é dispensável, ou também porque a alguns governantes não interessa a transparência e o rigor que a escritura pública assegura.
Joaquim Barata Lopes
Notário e ex-Bastonário da Ordem dos Notários"
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