Terça-feira, 20 de Abril de 2010
Memórias do Portugal respeitado

Sem qualquer comentário da minha parte, deixo ao vosso critério a lição a tirar do post acima titulado e publicado no Blog "A bem da Nação"!

 

"Corria o ano da graça de 1962. A Embaixada de Portugal em Washington recebe pela mala diplomática um cheque de 3 milhões de dólares (em termos actuais algo parecido com € 50 milhões) com instruções para o encaminhar ao State Department para pagamento da primeira tranche do empréstimo feito pelos EUA a Portugal, ao abrigo do Plano Marshall.

O embaixador incumbiu-me – ao tempo era eu Primeiro Secretário da Embaixada – dessa missão.

Aberto o expediente, estabeleci contacto telefónico com a desk portuguesa, pedi para ser recebido e, a pedido do funcionário encarregado da desk, disse ao que ia. O colega americano ficou algo perturbado e, contra o costume, pediu tempo para responder. Recebeu-me nessa tarde, no final do expediente. Disse-me que certamente havia um mal entendido da parte do governo português. Nada havia ficado estabelecido quanto ao pagamento do empréstimo e não seria aquele o momento adequado para criar precedentes ou estabelecer doutrina na matéria. Aconselhou a devolver o cheque a Lisboa, sugerindo que o mesmo fosse depositado numa conta a abrir para o efeito num Banco português, até que algo fosse decidido sobre o destino a dar a tal dinheiro. De qualquer maneira, o dinheiro ficaria em Portugal. Não estava previsto o seu regresso aos EUA.

Transmiti imediatamente esta posição a Lisboa, pensando que a notícia seria bem recebida, sobretudo num altura em que o Tesouro Português estava a braços com os custos da guerra em África. Pensei mal. A resposta veio imediata e chispava lume. Não posso garantir a esta distância a exactidão dos termos mas era algo do tipo: "Pague já e exija recibo". No dia seguinte, sem aviso prévio, voltei à desk e comuniquei a posição de Lisboa.

Lançada estava a confusão no Foggy Bottom: - não havia precedentes, nunca ninguém tinha pago empréstimos do Plano Marshall; muitos consideravam que empréstimo, no caso, era mera descrição; nem o State Department, nem qualquer outro órgão federal, estava autorizado a receber verbas provenientes de amortizações deste tipo. O colega americano ainda balbuciou uma sugestão de alteração da posição de Lisboa mas fiz-lhe ver que não era alternativa a considerar. A decisão do governo português era irrevogável.

Reuniram-se então os cérebros da task force que estabelecia as práticas a seguir em casos sem precedentes e concluíram que o Secretário de Estado - ao tempo Dean Rusk - teria que pedir autorização ao Congresso para receber o pagamento português. E assim foi feito. Quando o pedido chegou ao Congresso atingiu implicitamente as mesas dos correspondentes dos meios de comunicação e fez manchete nos principais jornais. "Portugal, o país mais pequeno da Europa, faz questão de pagar o empréstimo do Plano Marshall"; "Salazar não quer ficar a dever ao tio Sam" e outros títulos do mesmo teor anunciavam aos leitores americanos que na Europa havia um país – Portugal – que respeitava os seus compromissos.

Anos mais tarde conheci o Dr. Aureliano Felísmino, Director-Geral perpétuo da Contabilidade Pública durante o salazarismo (e autor de umas famosas circulares conhecidas ao tempo por "Ordenações Felismínicas" as quais produziam mais efeito do que os decretos do governo). Aproveitei para lhe perguntar por que razão fizemos tanta questão de pagar o empréstimo que mais ninguém pagou. Respondeu-me empertigado: - "Um país pequeno só tem uma maneira de se fazer respeitar – é nada dever a quem quer que seja".

Lembrei-me desta gente e destas máximas quando há dias vi na televisão o nosso Presidente da República a ser enxovalhado pública e grosseiramente pelo seu congénere checo a propósito de dívidas acumuladas.

Eu ainda me lembro de tais coisas, mas a grande maioria dos Portugueses de hoje nem esse consolo tem.

 

Estoril, 18 de Abril de 2010

 

 

Luís Soares de Oliveira"



Publicado por rui.freitas às 23:38
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3 comentários:
De eduardo a 21 de Abril de 2010 às 11:23
A recusa do governo português de então também poderia ter a ver com uma larga corrupção à escala internacional, surgida na altura do plano Marshall.Algo que era visto com condescendência pelos governantes americanos, um pouco como o que foi feito pelo governo espanhol antes da aclamação de Filipe I de Portugal pelas cortes de Tomar.
Um forte sentido da Nação de que,também hoje, se abdica em favor duma nação europeia.
Custe-nos ou não, são opções de todos os governos portugueses pós- 25 de Abril. Custe-nos ou não os checos também são europeus como nós e pagam impostos para a Europa como nós e se todos barafustamos cá dentro do pequeno rectângulo por causa da fiscalidade, por que razão não se barafustará no polígono europeu quando práticas nacionais locais sobrecarregam outros países.
Se queremos lá continuar é bom que nos habituemos a situações destas e se não queremos ser "enxovalhados" por gastar demais saiamos desta casa europeia.
É preciso coerência em todos os períodos da nossa história.


De rui.freitas a 28 de Abril de 2010 às 00:29
Caro Eduardo, não posso deixar de estar de acordo consigo, mas...
A corrupção não terminou nem ninguém - em bom rigor - pretende acabar com ela; Porquê?
Os governantes norte-americanos sempre foram muito "amigos" de quem é amigo deles;
O problema está nesta sua frase (correctíssima): "Um forte sentido da Nação de que, também hoje, se abdica em favor duma nação europeia." Porque temos de abdicar do sentido de Nação? Nação Europeia? Europa dos Cidadãos? O que é isso? O cidadão comum (como eu e muitos milhões) está satisfeito? O Tratado de Lisboa (e outras decisões importantes para o nosso Futuro) foi perguntado a quem?
Claro que os Checos podem (e devem) barafustar´; daí até me ofenderem, vai uma grande distância...
Sigo a velha máxima: eu posso dizer mal do meu governo... estrangeiros a fazê-lo, dá-me volta ao estômago! Desculpe, mas eu sou assim!
Quanto ao "gastarmos demais", pergunto: quem gasta demais? O português comum e corrente? Não!
E porque não "sairmos da casa europeia"? Só porque "nos dizem" que seria um suicídio?
Seria?
Pelo "andar da carruagem", não sei!


De eduardo a 30 de Abril de 2010 às 23:27
Caro Rui Freitas
Começando pelofim, porque não sair da casa europeia? Boa pergunta!
E porque não sair da democracia? Seria suicídio? Porquê? Só porque nos dizem?
Meu caro, as perguntas são mais que muitas, não acabam.
O problema é que quem cala consente e consentimos na democracia, na Europa, na corrupção e tudo o mais. A vida é assim mesmo. Mas temos de ser crescidinhos e assumir as nossas responsabilidades para não ouvir coisas desagradáveis. C'est la vie.


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