Hoje, o Conselho de Ministros terá audiências com os partidos políticos com assento Parlamentar, a quem apresentará a Proposta do Orçamento de Estado para 2011.
É caso para dizermos: finalmente! Moveram-se céu e terra, montanhas até, banqueiros chegaram à fala com Pedro Passos Coelho (o que é, desde logo, um mau sinal... se a Banca quer o sim...), os jornais, rádios, televisões, opinion makers, algumas figuras gradas do PSD, enfim, esquecendo uma coisinha simples como esta: Até agora, o Partido Social Democrata (leia-se, Pedro Passos Coelho) tem sido acusado de não dizer se irá votar o documento favorável ou desfavoravelmente, como se fosse possível a alguém, no seu perfeito juízo, emitir opinião sobre algo que desconhece.
Entretanto, PPC repetia à exaustão as razões que lhe assistem e com as quais concordo em absoluto, mesmo não lhe tendo dado o meu voto.
E, se estas não chegarem, trago-vos duas mais, deixando alguns "recortes de Imprensa" para amanhã, de modo a refrescar memórias!
José Sócrates, peça desculpa
Está em vigor uma espécie de relativismo socrático: diz-se, sem vergonha, que Sócrates e Passos são os culpados. Mas como é que se pode equiparar um homem que está no poder há 15 anos com um homem que chegou à oposição há 5 meses?
I. A sensação repete-se: parece que a cultura política portuguesa se resume a um mero jogo politiqueiro, sem relação com os factos e números da Política. A cada semana, aparece um novo jogo tático, que nos afasta das questões centrais. Neste jogo semanal/mediático, o país perde um mínimo de profundidade temporal. As semanas repetem-se umas atrás das outras, como se fossem sucessivos "anos zero" que impossibilitam raciocínios com mais de umas semanas de profundidade. Nos últimas semanas, precisamente, criou-se esta estranha ideia: Sócrates e Passos são os culpados, em igual medida, pela situação do país. Li e ouvi várias pessoas com responsabilidade a dizer isto. Mas vamos lá a factos.
II. O PS está no poder há 15 anos. Ou melhor, nos últimos 15 anos, o PS governou 12 e meio (a "AD" Barroso/Portas governou 2.5). Parece-me evidente que o principal culpado por esta crise dá pelo nome de PS. É uma questão de facto. Até pelo seguinte: até 1999, Portugal cresceu. Hoje, quando olhamos para os números de crescimento dos anos 80 e 90, Portugal parecia um paraíso. Se existisse uma lista de culpados, Sócrates estaria no topo. Agora, pergunto: como é que se pode equiparar Sócrates a Passos? Ora, nestes 15 anos de Era Socialista, Sócrates foi ministro e, agora, é primeiro-ministro desde 2005. Entre 2005 e 2010, este homem mentiu e enterrou Portugal várias vezes.
III. Sócrates e Teixeira dos Santos, com objectivos puramente eleitoralistas, esconderam a real dimensão das contas públicas até Novembro do ano passado. Depois, entre Novembro e Maio, recusaram a realidade. Entre Maio e Setembro, semi-assumiram a realidade. A partir de 29 de Setembro, a realidade bateu-lhes à porta, trazendo um recado de Berlim: "acabou a brincadeira". Isto não é só incompetência. É irresponsabilidade (só assumiram a verdade quando Cavaco já não podia dissolver a assembleia) e vaidade (não queriam assumir que estavam errados). Entretanto, vamos descobrindo os milhões que temos para pagar em PPP que só beneficiam as empresas de construção do costume; vamos descobrindo que o PS criou, em 5 anos, mais "fundações" do que o conjunto de fundações criado em todo o século XX (havia uma música que dizia "boys, boys, boys"); vamos descobrindo o dinheiro que José Sócrates gasta na sua propaganda. Um dia, gostava de ver este indivíduo a pedir desculpa aos portugueses."
Henrique Raposo - Expresso - 13.10.2010
Iludir o óbvio não nos salva
Antes da estafada crise global já o Governo tinha aumentado a despesa corrente do Estado em mais de 12 mil milhões
A tendência para iludir o óbvio foi classificada por Freud como a primeira paixão da humanidade. Não me recordo se o ilustre "psi" clarificou que é sempre a fuga à violência de uma realidade que explica o mecanismo dessa estranha paixão. Mas posso garantir-vos, com a experiência dos desaires que sofri, que iludir o óbvio nunca nos salva.
É óbvio que agarrar nos mais de dois mil milhões de euros do Fundo de Pensões da PT e com eles reduzir artificialmente o défice público é uma intrusão inqualificável na gestão de uma empresa privada e uma trapaça política que catapulta um enorme risco futuro para o Estado, leia-se contribuintes.
É óbvio que transformar quatro mil milhões de dívida privada do BPN em dívida pública, a pagar agora pelos funcionários públicos, pelos reformados e pelos desempregados, foi mais fácil que meter na prisão os responsáveis.
É óbvio que só um desmesurado despudor permite ao Governo dizer que não sabia que tinha um submarino para pagar.
É óbvio que antes da estafada crise global já o Governo tinha aumentado a despesa corrente do Estado em mais de 12 mil milhões de euros e arrecadado, de aumento de impostos e contribuições para a Segurança Social, mais nove mil milhões.
É óbvio que a descida do IVA e o aumento de 2,9 por cento da função pública foram vis manobras eleitorais, que o orçamento de 2010 foi um orçamento de mentira, que os PEC são expedientes mistificadores incapazes de alterar a trajectória suicida do Estado e que o Governo sonegou, sistematicamente, a deplorável situação das contas públicas.
É óbvio que o problema de Portugal, sendo a dívida grande, não é a dívida. É a ameaça de não a poder pagar com uma economia que não cresce, uma produção que se apouca ante um consumo que se agiganta, um desemprego imparável, uma taxa de investimento em derrapagem e um constante aumento dos custos de produção: capital, energia e transportes.
É óbvio que chegámos aqui empurrados por gente trapaceira, por um Governo e um homem que se permitiram, a golpes de decretos-leis iníquos, impor políticas financeiras, económicas, educativas e de saúde erradas, protegidos por uma justiça injusta.
É óbvio que só a promoção do investimento produtivo, o aumento do que vendemos lá fora, a diminuição do que compramos cá para dentro e a recondução do Estado ao seu papel de árbitro justo de interesses opostos nos poderá arrancar às garras de uma máfia de especuladores e agiotas, a que alguns chamam mercado.
É óbvio que a anunciada "corajosa austeridade" não muda o futuro. Safa efemeramente, se safar, o passado recente, extorquindo uma vez mais os cidadãos, esmagando os que não tiveram culpa, sem sequer apontar os que engordaram, enterrando o país. É óbvio que o tempo político deste Estado relapso, que permitiu que gente sem vergonha arrastasse na lama a ética da vida pública, se extinguiu. É óbvio que carrascos não viram salvadores. É óbvio que coveiros não salvam moribundos.
Para iludir o óbvio, bem mais extenso que a síntese supra, uma elite pensante, que reúne notáveis do PSD, economistas de renome (que passaram pelo governo sem fazerem o que agora recomendam) e até o pai do "monstro", que é, nada mais, nada menos, como bem recordou Miguel Cadilhe, Aníbal Cavaco Silva, tem acenado, até à exaustão, com uma realidade violenta: um desastre nacional, se o Orçamento não for aprovado. Talvez tenham razão, ou talvez se imponha antes a lógica de Tiririca (nome artístico de um humorista brasileiro, analfabeto ao que consta, eleito deputado federal por S. Paulo com o segundo maior resultado de sempre, que promoveu a candidatura com este slogan: "Pior do que está não fica. Vote Tiririca!"). Mas entre estes especialistas do pensamento inevitável e Tiririca há, pelo menos, uma irracionalidade que espanta e nenhuma violência de cenário ilude. Então não se sentem incomodados por advogarem a aprovação de um Orçamento do Estado que ainda não foi sequer apresentado e ninguém conhece? Acham que os mercados financeiros ficarão serenos se o Orçamento do Estado estrangular a mais remota hipótese de crescimento económico? Que ficam contentes qualquer que seja o cenário macroeconómico em que o Orçamento assente? Que não se incomodarão com a hipotética persistência em adiar o saneamento das estruturas inúteis do Estado? Economistas e políticos que são, aceitam a continuada recusa do Governo em abrir ao escrutínio da oposição, com verdade e transparência, as contas da execução de 2010, indispensáveis para avaliar a seriedade de 2011?
Sócrates e Teixeira dos Santos desceram a longa ladeira da credibilidade, condenados por si próprios ao suplício de Sísifo. Se o fizeram por incompetência ou por dolo é coisa que se apuraria na Islândia. Mas acabaram. Com ou sem orçamento. Advogar que lhe passemos um cheque em branco, mais um, ignorando o óbvio por receio da realidade violenta é, mais que confirmar a curiosa tese de Freud, impor aos que ainda não ensandeceram o grotesco de Tiririca. Nem o interesse dum futuro candidato à presidência da pobre República o justifica."
Santana Castilho - Professor do ensino superior
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